Aspectos obstétricos e perinatais da COVID-19
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Sobre os aspectos obstétricos da infecção COVID-19 é necessário considerar que esta é uma doença de aparecimento recente, não havendo conhecimento específico sobre o assunto para a elaboração de protocolos assistenciais. Em decorrência disto, várias orientações derivam da analogia com infecções causadas por outros vírus (SARS- CoV, MERS-CoV e H1N1) e tudo que existir de evidências hoje estará sujeito a modificações a partir da geração de novos conhecimentos.
As infecções causadas por estes vírus foram limitadas regionalmente, mas os poucos casos obstétricos observados (publicados), apontam a necessidade imperiosa de suporte avançado de vida para estas gestantes e prognósticos materno e gestacional severamente comprometidos9,19,20.
Todos realçam a importância dos cuidados com a dispersão do vírus. Para a COVID-19 é necessário aguardar a publicação de mais resultados que permitam a elaboração específica de protocolos assistenciais. No momento as orientações possíveis fundamentam-se no controle da dispersão do SARS-CoV-2.
Na realidade, a maior experiência com estas graves infecções respiratórias de etiologia viral no ciclo gravídico e puerperal foi obtida com o manejo da infecção causada pelo H1N114. Neste grupo específico a literatura oferece vasto suporte apontando a gravidade da infecção.
A grande diferença é que a eficácia do tratamento antiviral e da vacina reduziram consideravelmente os desfechos obstétricos desfavoráveis em todo o planeta. Até o momento, o cuidado pré-natal e obstétrico projetado para a eventualidade de termos casos da COVID-19 no país será baseado no conhecimento referente ao H1N1, claro considerando suas diferenças.
Até o momento existem duas casuísticas publicadas sobre os aspectos obstétricos e perinatais da COVID-19. A primeira informa sobre a evolução materna e perinatal de pacientes infectadas pelo SARS-CoV-2 e foi uma avaliação retrospectiva de nove mulheres que tiveram suas gestações resolvidas em Wuhan-China. Notou-se que as manifestações clínicas nestas gestantes não foram graves e o prognóstico materno foi considerado bom.
Todas as pacientes não apresentavam outras doenças previamente à gravidez, mas referiam história clara de exposição a pessoas com a infecção. A idade variou de 27 a 40 anos e a idade gestacional variou de 36 a 38 semanas. Além de febre e pneumonia, alterações que todas as pacientes apresentaram, foram observadas complicações como pré-eclâmpsia e alteração de função hepática (um caso cada).
Sobre os resultados perinatais merece destaque que não houve nenhuma morte fetal, morte neonatal ou asfixia neonatal. Quatro pacientes tiveram trabalho de parto pré-termo, mas além de 36 semanas gestacionais. Dois dos quatro recém-nascidos pré-termo tiveram peso ao nascer menor que 2500g, um deles filho da mãe que apresentou pré-eclâmpsia. Todos os nove neonatos tiveram índices de Apgar de 1º minuto acima de 8 e Apgar de 5º minuto acima de 9. Não foi detectado nenhum caso de transmissão vertical do vírus21.
A segunda casuística, também da China, relata o prognóstico neonatal de 10 crianças nascidas de nove mulheres (um gemelar). O início dos sintomas ocorreu antes do parto em quatro casos e em duas os sintomas surgiram no dia do parto. Em três delas o quadro clínico manifestou-se após o parto.
Em sete delas o parto foi por cesárea, nenhum aparentemente em decorrência da COVID-9. O prognóstico materno foi considerado bom, com recuperação de todas elas. Já o prognóstico perinatal não foi tão bom, apesar de não haver nenhuma criança com Indice de Apgar de 5º minuto menor que 8.
A taxa de nascimentos pré-termo foi elevada e houve morte de um dos neonatos, que nasceu pré-termo e complicou com hemorragia digestiva. O exame de biologia molecular não confirmou a presença do SARS-CoV-2 em nehum deles.
Os autores fazem a ressalva de que nesta casuística não houve transmissão vertical, mas o pequeno número de casos não permite esta conclusão de forma imperativa22. Até o momento não foi confirmado nenhum caso de transmissão vertical deste vírus23.
Para o atendimento pré-natal de gestantes sem risco epidemiológico ou clínico para a infecção COVID-19 os cuidados serão aqueles usuais com a higienização das mãos. No entanto, para o atendimento de gestante classificada como “caso suspeito” ela deverá utilizar máscara de proteção e o profissional deverá utilizar luvas, óculos e avental.
O uso de máscara pela equipe de atendimento neste momento não é indicado pelo Ministério da Saúde, mas ainda existe muita inconsistência sobre as informações sobre este assunto. No entanto, não existem dúvidas sobre o seu uso ao se realizar algum tipo de procedimento.
Dentro das orientações dos planos de contenção da infecção nos hospitais estes casos deverão ser hospitalizados até a definição diagnóstica, que será baseada na reação de RT-PCR no material obtido por swab (nasal, orofaringe) ou lavado nasal, traqueal ou bronco-alveolar. Importante lembrar que nestes casos a pesquisa diagnóstica deve considerar o H1N1 como um dos principais diagnósticos diferenciais, ao lado das pneumonias bacterianas típicas e atípicas14.
Mulheres grávidas com suspeita ou confirmação de infecção pelo COVID-19 devem ser tratadas com terapias de suporte, de acordo com o grau de comprometimento sistêmico. Lembra-se da inexistência de terapia antiviral específica ou de imunoterapia passiva ou ativa.
Segundo orientações da WHO como as manifestações clínicas da infecção COVID-19 são parecidas tanto com a pneumonia causada pelo H1N1 quanto por bactérias atípicas, em alguns casos a opção pelo tratamento empírico destas afecções torna-se necessário, pelo menos até que o diagnóstico diferencial seja possível e seguro14.
Como orientação adicional às gestantes evoca-se as orientações que já são oferecidas habitualmente para profilaxia da infecção pelo H1N1, em uma “intensidade” que não cause preocupação infundada, mas assertiva o suficiente para ser incorporada pela gestante.
Dentre estas orientações salienta-se evitar aglomerações, contato com pessoas febris e contato com pessoas apresentando manifestações de infecção respiratória. Considerar que a higienização das mãos, evitar contato das mãos com boca, nariz ou olhos são as medidas mais efetivas contra a disseminação destas duas infecções17,18. Sabe-se que são as informações são importantes e falam de estratégias simples, mas difíceis de serem efetivadas na prática.
Até o momento não há nenhuma informação sobre o potencial do SARS-CoV-2 para causar algum tipo de malformações. Com o tempo será possível assumir informações deste tipo com segurança. Por sua vez, a liberação do aleitamento natural para puérperas infectadas por este vírus já não encontra a convergência de algumas semanas atrás. Orientação divulgada pela WHO sugere que puérperas em bom estado geral deveriam manter a amamentação utilizando máscaras de proteção e higienização prévia das mãos.
Na tradução básica desta orientação a justificativa foi que “Considerando os benefícios da amamentação e o papel insignificante do leite materno na transmissão de outros vírus respiratórios, a puérpera pode amamentar desde que as condições clínicas o permitam”14. A orientação do CDC Americano inclui a puérpera nesta discussão, considerando sua vontade e sua capacidade de seguir todas as orientações de higienização e uso de máscara23.
Por sua vez, o CDC Chinês é muito mais estrito, afirmando a indicação de separação do neonato da mãe e contraindicando o aleitamento natural. Segundo suas orientações para liberar o aleitamento natural só em casos que a RT-PCR para o SARS-CoV-2 esteja negativo no leite24. Se por um lado a WHO orienta a amamentação por falta de elementos comprovando que o leite materno possa o disseminar o vírus, o CDC Chinês utiliza o mesmo argumento para contraindicar este tipo de aleitamento.
Até que dados adicionais sobre o aleitamento natural estejam disponíveis, as mães que pretendem amamentar e estão suficientemente bem, tomando-se os cuidados higiênicos não seria um impeditivo para a amamentação.
Na fase aguda da doença se a mãe quer amamentar mas a equipe sentir-se insegura de liberar o contato direto, o leite pode ser ordenhado e ofertado ao neonato. Com pacientes em boas condições de saúde, isto seria perfeitamente adequado e as puérperas deveriam ser incentivadas a fazê-lo, claro seguindo os cuidados higiênicos e o uso da máscara materna25.
Para o atendimento obstétrico de gestantes com diagnóstico da COVID-19 pouco se sabe sobre a melhor via de parto, considerando o que seria melhor para a mãe e para o feto. Por analogia com mulheres infectadas pelo H1N1, SARS- CoV ou MERS- CoV, parturientes em boas condições gerais, sem restrição respiratória e elevada taxa de oxigenação podem se beneficiar do parto vaginal, bem como o feto. No entanto, com restrição respiratória, a interrupção da gravidez por cesárea, a despeito do risco anestésico, seria a melhor opção. Neste caso a anestesia seria outro desafio. Acredita-se que a epidemia atualmente presente na China poderá trazer alguma contribuição neste sentido.
As decisões sobre o parto de emergência e a interrupção da gravidez são desafiadoras e baseadas em muitos fatores: idade gestacional, idade materna condição e estabilidade fetal. Consultas com especialistas em obstetrícia, neonatal e terapia intensiva (dependendo da condição da mãe) são essenciais14.
Reiteramos o caráter transitório das informações aqui divulgadas. Alguns dos sites aqui referenciados apresentam atualização diária globalizando as informações de forma extremamente efetiva. Deixamos aqui expresso que o compromisso e a disposição de atualizar semanalmente este texto nas plataformas em que for publicado de forma digital (esta é a primeira revisão do texto). Isto parece ser necessário pelo menos até que as pesquisas possam achar o caminho efetivo da profilaxia e ou da cura da infecção pelo SARS-CoV-2.
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